Hoje, perambulava pelo caminho dos desesperados, sorvendo o néctar amargo da angústia em meio a dissolutos devaneios. Sem direção, sem razão, sem saber o porquê — ou os porquês.
Perguntei a mim mesmo: “Em que espaço-tempo estaria minha mente? Em que dimensão vagueia minha alma?” Mas nada descobri; resposta não obtive.
Resolvi, então, continuar vagando, divagando, buscando — ainda sem direção, sem razão, sem saber o porquê (ou os porquês).
Sou “a medida de todas as coisas (?)” [1]. Mas como, se todas as coisas não sei medir, não sei mensurar, não sei completar? Sou eu, talvez, uma caixa de Pandora [2]?
Assim sigo, perdido nesses meandros. O que fazer?
Nesse ínterim, ao longe avisto alguém à beira de um precipício. Parecia uma mulher. Cogitei se ela estaria prestes a se lançar – caixa de Pandora?
Aproximei-me, e então percebi: tratava-se, de fato, de uma mulher. Sua beleza era distinta, carregava a aparência do agora, mas também com traços de eternidade.
Ao me aproximar, fui tomado por um aroma suave inebriante, que emanava de sua presença. Fiquei fascinado. Senti-me atraído por ela. Precisava falar-lhe; ouvir sua voz.
Perto... mais perto... ainda mais perto. Necessito estar perto. Não posso assustá-la.
Agora ela está diante de mim, face a face. Posso sentir o seu hálito quente. Nossos lábios quase se tocam — um encaixe que parecia inevitável, seria perfeito.
Ouço o som de sua voz pela primeira vez. Surpreendendo-me ao ouvi-la dizer:
“Estava esperando por você."
“Mas como assim?” — confusão! “Não entendo!” — fiquei atônito. “Presumi que você...”.
“Quisesse lançar-me neste abismo?” Ela completou a frase que ainda tomava forma em minha mente.
“Na verdade” continuou ela, “é você quem está prestes a me empurrar”.
“Não! De maneira alguma! Jamais faria tal coisa!” retruquei, indignado.
“Sim, você!” afirmou ela. “Você, que há tanto tempo se perde em suas dores, que permite que as frustrações do mundo e as cicatrizes da vida consumam sua alma. Você que deixou de acreditar na minha existência e de perceber minha presença...”
Não, isso não! Como poderia eu abandonar uma figura tão sublime? Como poderia eu empurrá-la nessa depressão profunda, permitindo que se despedaçasse lá embaixo, desprovida de vida? — caixa de Pandora .
Agora, tudo o que quero é mantê-la ao meu lado para todo o sempre. Quero ser seu amante, cortejá-la incessantemente. Não posso perdê-la!
“Quem é você? Qual é o seu nome?"
Ela sorriu antes mesmo que eu terminasse a pergunta e disse:
“Você sabe quem sou.”
“Eu sempre estive aí, dentro de você” prosseguiu ela.
“Meu nome, Sísifo [3], é Elpída!” [4]
[1] A frase é atribuída ao filósofo grego Protágoras e está registrada no diálogo "Teeteto", de Platão. Ela representa o pensamento de Protágoras sobre a subjetividade e particularidade de cada indivíduo, e sobre a relatividade de todas as coisas. Para Protágoras, não existe uma verdade absoluta. Você pode ler a obra de Platão em: https://www.academia.edu/27082048/Platao-teeteto
[2] Se quiser saber sobre a "Caixa de Pandora", clique no link: "Caixa de Pandora" - Mundo Educação
[3] Sísifo, o mortal enganador dos deuses, era conhecido por sua inteligência e astúcia, mas também por sua arrogância e desrespeito às leis divinas. Devido às suas constantes transgressões, Sísifo foi condenado a um trabalho eterno no submundo. Ele deveria rolar uma enorme pedra até o topo de uma colina, mas, ao chegar perto do cume, a pedra sempre rolava de volta para baixo, obrigando-o a começar novamente. Esse castigo simboliza o esforço inútil e sem fim, tornando Sísifo um exemplo de futilidade e sofrimento eterno. Fonte: O mito de Sísifo com resumo e significado - Cultura Genial
[4] ἐλπίδα ou ἐλπίς (elpís) — esperança. Fonte: https://biblehub.com/greek/1680.htm